domingo, 11 de março de 2018

Sempre Vivemos no Castelo, Shirley Jackson

Meu nome é Mary Katherine Blackwood. Tenho dezoito anos e moro com a minha irmã Constance. Volta e meia penso que se tivesse sorte teria nascido lobisomem, porque os dois dedos médios das minhas mãos são do mesmo tamanho, mas tenho de me contentar com o que tenho. Não gosto de tomar banho, nem de cachorros nem de barulho. Gosto da minha irmã Constance, e de Richard Plantagenet, e de Amanita phalloides, o cogumelo chapéu-da-morte. Todo o resto da minha família morreu.

 

Assim começa Sempre Vivemos no Castelo, último livro da escritora americana Shirley Jackson. Publicado originalmente em 1962, três anos antes da morte da autora, muitos consideram essa sua obra prima, e é citado como inspiração para autores como Neil Gaiman e Donna Tartt.

 

 

Seis anos antes do início da história, os pais, um irmão e uma tia de Mary Katherine (ou Merricat) foram assassinados durante um jantar, quando alguém colocou arsênico no açúcar da família. Além de Merricat (que estava de castigo e não participou do jantar), só ficaram vivos sua irmã mais velha Constance, que não come açúcar, e o tio das meninas, Julian, que consumiu uma quantidade pequena do açúcar envenenado e sobreviveu com sequelas. Como Constance exibe traços de uma fortíssima fobia social e Julian ficou debilitado, é Merricat quem vai semanalmente até a cidade fazer as comprar para a casa. Através das palavras e atitudes das pessoas que Merricat encontra no caminho, vemos uma hostilização dela e dos membros restantes de sua família, o que os torna cada vez mais reclusos e justifica esse comportamento.

Isso é que posso contar da história sem maiores detalhes, e foi assim que mergulhei nessa leitura - sabendo pouquíssimo sobre esse livro, e creio que foi a melhor forma possível. Ainda mais que os acontecimentos, a forma com a qual a narrativa é construída foi minha coisa preferida. Como é através dos olhos e do fluxo de pensamento de Merricat que acompanhamos a história, ela se revela a maior das narradoras não confiáveis, cheia de humor negro, nos contando apenas o que ela quer que saibamos e no momento em que ela quer cada revelação.

Os pensamentos dela, inclusive, são um detalhe à parte na história. Merricat, além de traços de mania que me fizeram pensar em uma pessoa com transtorno obsessivo-compulsivo (mesmo isso não sendo claramente especificado no livro), tem momentos em que de deixa levar por pensamentos fantasiosos que são uma espécie de mecanismo de defesa - seja pelo isolamento, ou pelo medo do que ainda pode acontecer à sua família. Ela se culpa quando as coisas saem da rotina pelo fato de algum de seus rituais ter sido quebrado. Em muitos momentos tive que voltar páginas ou passagens quando percebia que era o pensamento e imaginação dela, e não a narrativa linear acontecendo.


Além de toda essa característica psicológica da história, me apaixonei pela ambientação, pela casa, e pela atmosfera que o livro conjura. Existe um clima soturno, de obsessão, e a sensação constante de que tem algo errado durante toda a narrativa, mas ainda assim, como estamos vendo tudo pela mente de Merricat, existe um conforto nesse isolamento e nessa rotina.

Sempre Vivemos no Castelo se transformou esse em um dos meus suspenses preferidos, ainda que a revelação da verdade sobre o que aconteceu no jantar não seja, pra mim, o foco principal do livro (e nem um mistério tão grande assim). Leitura incrível e super recomendada. Já quero ler tudo o que a Shirley Jackson já escreveu, e acho uma pena eu ter demorado tanto pra conhecer esse livro e a autora.


Shirley Jackson
Suma de Letras - 2017
200 páginas
 
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shelf chaos 🞄 “for someone who loved words as much as I did, it was amazing how often they failed me.”