estou obcecada por lamb.
filme islandês dirigido e roteirizado (junto a sjón) por valdimar jóhannsson, é o longa de estreia do diretor. lançado há poucas semanas, o burburinho foi grande por causa do trailer misterioso, mas talvez mais por ser uma produção da queridinha de qualquer um que acompanha o cinema fora dos grandes estúdios atualmente, a A24. faz menos de 24 horas que o assisti e ainda não parei de pensar nele.
há poucos dias também assisti titane, também desse ano, vencedor da palma de ouro em cannes e segundo longa de julia ducournau, diretora do excelente raw.
gostaria de fazer sinopses que não entregassem muito do roteiro para não estragar a experiência. poderia também traçar inúmeras comparações sobre os filmes, pois alguns dos elementos são comuns a eles, mas acho também que seria entregar muita coisa. quem sabe um dia eu faça esse texto. porém esse post aqui é pra nada mais nada menos que desabafar sobre algo que li nas críticas negativas, e como o que foi ruim para outras pessoas talvez tenha sido a coisa que mais gostei nos dois filmes, mas especialmente em lamb.
eu não esqueço a primeira vez que li casa tomada, conto de julio cortázar que é provavelmente o mais direto exemplo do realismo mágico latinoamericano. o conto é simples: dois irmãos já idosos vivem na casa que pertenceu a sua família por gerações, até que estranhos acontecimentos os fazem ir perdendo controle de cômodos, um lado inteiro da casa, toda a casa. existem inúmeras alegorias e possibilidades de interpretações. mas, mesmo quando se tenta uma leitura mais simples da história, a estranheza e inexorabilidade dos acontecimentos fazem com que a gente entenda o motivo de esse ser um conto tão emblemático.
por que estou falando em realismo mágico? porque estamos diante de um filme no qual um bebê híbrido de humano e cordeiro nasce, e é adotada e tratada como filha por um casal. não são feitas perguntas, não se procuram explicações. existem óbvias camadas que vão além disso: isolamento, culpa, maternidade, trauma, luto, identidade e carma podem ser alguns dos temas que não estão na superfície. porém, no fim das contas, é um filme sobre um casal, sua fazenda de caprinos e seu bebê.
a surrealidade e estranheza dessa aceitação também é o que dita o ritmo do filme. ele é lento, quieto, atmosférico, mas entrega de forma simples, completa e competente a história que se propõe a contar. os últimos 15 minutos são absurdos, de quebrar o coração de uma forma que eu não estava esperando, e o choque e surpresa daquela conclusão me levaram às lágrimas.
e aí chegamos ao que vi em boa parte das críticas negativas: a
falta de explicação, de sentido, ou o filme se levar a sério demais.
sinto que existe uma dificuldade nessa parcela das pessoas em aceitar
que lamb não é um horror sobrenatural, cheio de metáforas, ou aceitar um
final no qual não existem respostas para todas as questões. mas pra mim
é mais do que óbvio que essa não é nem de longe a intenção do filme.
não sei se a expectativa criada pelo nome do estúdio ou a falta de familiaridade com temas recorrentes desse realismo mágico é o que acabou decepcionando as pessoas. pra mim, é fácil aceitar que filmes nos quais "nada acontece" não sejam
pra todo mundo. nesse sentido, posso comparar lamb também a the green knight (e a A24 de novo por aqui): são estudos, filmes introspectivos, nos
quais não apenas o ser humano como também o ambiente, a passagem do
tempo e a natureza são usados como personagens.
resta ao espectador
aceitar a experiência que lhe foi proposta, sem querer procurar muito nas entrelinhas os porquês. lamb também é tecnicamente perfeito, com uma fotografia incrivelmente bela, direção competentíssima e performances impecáveis. talvez esse seja meu lançamento favorito de 2021, a dois meses do fim do ano e em uma época super estranha pro mundo e também pro cinema. talvez não faça mal no meio desse furacão saber que um bebê cabrito foi uma das coisas mais reconfortantes que esse ano me proporcionou.
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