segunda-feira, 27 de julho de 2020

Carvão Animal, Ana Paula Maia

Pra mim é sempre muito difícil falar de coisas que mexem comigo profundamente, e posso afirmar que essa é a reação que tudo o que já li da Ana Paula Maia me causa.

Carvão Animal (Record, 2011) é o terceiro volume n'A Saga dos Brutos, precedido por duas novelas que estão no livro Entre Rinhas de Cachorros e Porcos Abatidos (Record, 2009). Esse primeiro reli há alguns meses, e reencontrar o texto da Ana Paula nunca deixa de ter a mesma sensação que um chute que nos tira o ar. Como já é esperado de uma série de livros, A Saga dos Brutos nos trás a mesma temática, ainda que trabalhada de formas distintas: homens que têm trabalhos que ninguém quer ter, e no meio disso ver coisas que ninguém quer ver e fazer coisas que ninguém quer fazer.


Assim como o já conhecido e recorrente personagem Edgar Wilson (com quem também acabamos nos encontrando nessa história), em Carvão Animal temos os irmãos Ronivon e Erasmo Wagner. Ronivon é funcionário de um crematório, e Erasmo Wagner é bombeiro. Ambos estão o tempo todo em contato com fogo e com a destruição que ele pode causar, às coisas e às pessoas - ao ponto de torná-las o carvão animal do título. São trabalhos pesados, mas essenciais e necessários, e muitas vezes essas pessoas invisíveis são quem e o que mantêm a ordem e o funcionamento da sociedade. Acho que isso é muito bem explorado especialmente na novela que acompanha Entre Rinhas..., chamada O Trabalho Sujo dos Outros. As situações extremas endurecem esses homens, e eles usam isso também para se anestesiar dos próprios traumas e tragédias pessoais.

Porque, além de tudo, Carvão Animal lida muito com a morte. Mortes naturais, em acidentes, assassinatos, para onde vão esses mortos, e como também os vivos têm suas responsabilidades e afazeres nessa hora. É tudo um grande ciclo, e as coisas belas têm tanto valor quanto as coisas que as pessoas podem considerar feias e desagradáveis. Por um problema de saúde congênito, Erasmo Wagner se coloca em situações de risco que muitos de seus colegas de trabalho não se colocariam, mas com o tempo percebemos que a raiz desse desprendimento é algo muito mais profundo que a falta de sentir dor física. Ronivon aceita um trabalho extremo para ajudar a salvar o crematório em que trabalha, por mais que isso desafie sua sanidade e suas crenças.

É tudo dolorido, cru, bruto, quase cinematográfico, ainda que sucinto em palavras, de uma forma que Ana Paula Maia trabalha com uma maestria que dificilmente encontramos em outras obras e outros autores. Foi mais um livro da autora para consolidar a admiração que tenho pelo trabalho dela, e mais uma leitura excelente em um ano que tenho tido sorte com minhas escolhas.

* Esse livro foi uma das leituras da Pretatona, na categoria Nacional.

** Para quem assina o Kindle Unlimited, o livro está disponível para leitura pelo programa, assim como Entre Rinhas de Cachorros e Porcos Abatidos. Os links da Amazon disponibilidados nesse post são patrocinados, e comprando com eles você colabora com uma pequena comissão para o blog sem pagar nada a mais por isso.

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shelf chaos 🞄 “for someone who loved words as much as I did, it was amazing how often they failed me.”